DOENÇA DE GAUCHER

 


 

Definição

A Doença de Gaucher é uma doença genética rara, progressiva, causada pela falta da enzima β-glicosidade ácida ou glicocerebrosidase. O portador da Doença de Gaucher não tem níveis suficientes de uma enzima específica, o que resulta em um depósito de produtos da decomposição de gorduras no corpo que são chamados de glicocerebrosídeos. Esse excesso é chamado de células de Gaucher e tem como consequência um mau funcionamento em vários órgãos.

A dislipidemia dos esfingolípides provocada pela atividade defeituosa da enzima ácido β-glicosidase tem como consequência o acúmulo de seu substrato, o glicocerebrosideo ceramida glicosil, nos lisossomos das células do sistema mononuclear fagocitário, transformando-as nas células de Gaucher. 

 

Histórico

A Doença de Gaucher foi descrita pela primeira vez, na tese de doutoramento de Philippe Ernest Gaucher em 1882, como epitelioma primitivo do baço, uma desordem metabólica familiar, com característica  autossômica dominante.

 

Incidência

·         Portadores de Doença de Gauche têm maior incidência para o aparecimento de tumores ósseos.

·         Cerca de 95% dos casos da doença é do tipo 1.

·         A Doença de Gaucher é considerada a mais comum  das glicoesfingolipidoses.

·         A doença apresenta uma incidência maior em indivíduos de descendentes de judeus asquenazes (Leste Europeu).

·         A doença de Gaucher tipo 1 afeta 1 em cada grupo de 40.000 a 60.000 bebês nascidos vivos; a do tipo 2 afeta de 1 para cada 100.000; e  o tipo 3 acomete de 1  para cada 50.000 a 100.000.

·         Cerca de 600 portadores da síndrome são tratados no Brasil pelo SUS, com medicamentos  adquiridos pelo governo federal e distribuídos pelas Secretarias estaduais de saúde.

 

Etiologia

A doença é herdada de uma forma autossômica recessiva, havendo o risco de recorrência de 25% a cada gestação do casal de heterozigotos, podendo comprometer filhos de ambos os sexos. É uma doença causada por uma mutação genética que impede a ação da enzima β-glicosidade, que ocorre naturalmente no organismo e serve para “digerir” os glicocerebrosídeos. É uma doença congênita, portanto está presente desde o nascimento do indivíduo. 

Tipos

A Doença de Gaucher pode ser classificada em três tipos:

 

Tipo 1 ou forma não neuropática crônica (forma do adulto): é considerada o tipo mais comum de apresentação da doença. Não há comprometimento cerebral, mas o quadro clínico visceral e hematológico é muito mais grave. Esse tipo acomete mais os adultos, mas pode ocorrer em pessoas de todas  as idades. Nesse tipo de apresentação da doença, a idade de início dos sinais e sintomas são muito variáveis.  É comum o portador desse tipo da doença ter fadiga, cansaço, plenitude gástrica pós-prandial e retardo de crescimento em crianças. As fraturas ósseas são comuns, porque a doença afeta a estrutura dos ossos. O tipo 1 é o mais frequente,  e a progressão do quadro clínico é lento ou variável.

 

Tipo 2 ou forma neuropática aguda (forma do lactente): o tipo 2 afeta mais os lactentes com 4 a 5 meses de idade e crianças pequenas, comprometendo o cérebro, baço, fígado e pulmão com mais gravidade.  As manifestações neurológicas são importantes e graves, com convulsões, hipertonia, e retardo mental progressivo. A doença também causa apnéia grave que compromete bastante o pulmão do portador.

 

Tipo 3 ou forma neuropática crônica :/subaguda (forma juvenil) a evolução é mais lenta e leve do que o tipo 2. Afeta mais crianças maiores e adolescentes, com o início geralmente dos sintomas na fase pré-escolar.  A doença afeta cérebro, baço, fígado e ossos, sendo que o comprometimento cerebral é menos grave do que o tipo 2.  O portador da Doença de Gauche tipo 3, tem um prognóstico de vida mais reduzido, geralmente até a segunda ou terceira década de vida, isto é, entre os 20 e 30 anos de idade.

 

Sinais e sintomas

Uma das manifestações clínicas mais características da doença é o aumento do baço (esplenomegalia) e o aumento do fígado (hepatomegalia).  A Doença de Gaucher costuma afetar a qualidade dos ossos, consequentemente o portador fica vulnerável a fraturas espontâneas  ou fraturas que podem ocorrer após baixo impacto.

A maioria dos pacientes já se encontram sintomáticos  (apresentam alguns sintomas da doença) ao atingirem os dezoitos anos de idade.

 

Os principais sintomas da doença  são decorrentes do resultado do acúmulo progressivo das células de Gaucher no corpo. Na grande maioria dos casos os sitomas aparecem pela primeira vez na infância ou na adolescência. As manifestações clínicas mais comuns são as seguintes:

·         Hepatomegalia (aumento do fígado) de dimensões variáveis.

·         Esplenomegalia (aumento do baço). O aumento do baço é invariavelmente progressivo.

·         Anemia em vários graus.

·         Equimoses, causadas pela trombocitopenia instalada na doença.

·         Fadiga excessiva, causada pela anemia.

·         Plaquetopenia (diminuição das plaquetas).

·         Sangramentos, principalmente no nariz (por causa da redução do número de plaquetas).

·         Cirrose hepática.

·         Doenças  e lesões ósseas ( os ossos longos são os mais atingidos pela doença).

·         Fraturas ósseas espontâneas, porque os ossos ficam fracos.

·         Dor nos ossos.

·         Dores nas articulações.

·         Fibrose.

·         Varizes de esôfago.

·         Desconforto abdominal (devido ao aumento do tamanho do baço e/ou fígado).

·         Comprometimento cerebral em vários graus.

 

Nas crianças:

·         As crianças com a Doença de Gaucher têm o abdomen mais saliente, devido ao aumento do baço e/ou fígado. Em alguns casos, o baço fica tão aumentado que a criança adota uma postura curvada devido ao peso do abdomen dilatado.

·         A inapetência também é um dos sintomas na doença nas crianças, isso ocorre porque os órgãos ficam tão dilatados que pressionam o estômago, dando a falsa impressão de saciedade, fazendo com que a criança coma pouco.

·         As crianças portadoras da Doença de Gaucher ficam mais cansadas com frequência, têm falta de energia para as brincadeiras infantis. Também têm dificuldade para se concentrar e de se manterem alertas na sala de aula.

·         As crianças com a Doença de Gaucher ficam doentes com mais frequência, devido a baixa de leucócitos, que gera em uma deficiência no combate as infecções.

·         As dores nos ossos são fortes, e geralmente são acompanhadas de febre e mal-estar geral, podendo durar algumas horas ou dias. Muitas crianças nesse período ficam acamadas, e em alguns casos específicos existe a necessidadede internamento.

·         As fraturas espontâneas ou decorrentes de baixo impacto no osso são resultantes da redução na massa e na densidade do osso, nos portadores da doença, fazendo com que o osso fique mais fraco e fino. As células de Gaucher que se acumulam na medula óssea enfraquecem os ossos em vários níveis e formas. A deformidade em frasco de Erlenmeyer é uma das anormalidades mais comum entre os portadores da Doença de Gaucher. O osso se desenvolve nas extremidades em um formato achatado e alargado em vez da forma arredondada normal, esse formato parece um frasco laboratorial.

 

Tipo 1 ou forma não neuropática: Os sintomas da doença podem ser varíaveis. A maioria dos portadores dessa doença apresentam algumas manifestações e não todas ao mesmo tempo, isso vai depender do órgão ou tecido  afetado. Tem alguns portadores da doença que não desenvolvem sintomas clínicos na infância, permanecendo assintomáticos até a fase adulta e de forma inesperada nesses períodos podem apresentar alguns sintomas.

·         Hepatomegalia de dimensões variáveis.

·         Esplenomegalia.

·         Anemia progressiva.

·         Trombocitopenia.

·         Plaquetopenia.

·         Leucopenia.

·         Astenia, causada pela anemia.

·         Plenitude gástrica pós-prandial.

·         Ossos: dor óssea crônica; osteopenia; osteonecrose; fraturas espontâneas.

 

Tipo 2 ou forma neuropática aguda:  geralmente ocorre nos primeiros anos de vida. As crianças podem apresentar hepatoesplenomegalia (aumento do figado e do baço) e alterações neurológicas graves.  Em alguns casos específicos os sintomas podem causar a morte da criança.

 

Tipo 3: ou forma neuropática crônica e/ou subaguda:  ocorre mais no período da adolescência; este tipo de apresentação da doença combina os sintomas do tipo 1 e 2, com uma leve disfução neurológica lentamente progressiva. Se o portador da doença conseguir alcançar a adolescência, pode viver por muitos anos.

 

Diagnóstico

·         Anamnese.

·         Exame clínico.

·         Exame físico.

·         Exames laboratoriais.

·         Amostra de sangue para analisar a dosagem da atividade da enzima β-glicosidade nos leucócitos

·         Amostra de fragmento de pele do braço para analisar a  dosagem da atividade da enzima β-glicosidade nos  fibroblastos.

 

As típicas células de Gaucher se encontram na medula ósseas, no tecido esplênico ( baço) ou no tecido hepático (fígado).

 Para que os portadores da Doença de Gaucher tenham acesso ao tratamento com reposição enzimática é necessário que ele esteja enquadrado nos critérios de inclusão para o protocolo de tratamento.

 

Critérios de Inclusão                      (Fonte: http://dtr2001.saude.gov.br)

Há consenso internacional de que doença de Gaucher assintomática não é por si só indicação da terapia de reposição enzimática. A presença dos dois critérios maiores de (a e b) e de pelo menos um dos critérios menores (a a g) são necessários para inclusão neste protocolo.

 

 Critérios Maiores:

a) Diagnóstico de doença de Gaucher - tipo 1 ou tipo 3 . Na presença da forma clínica tipo 3, deve-se excluir a possibilidade de os sinais neurológicos serem devidos a outra doença;

b) Comprovação da doença pela demonstração de redução da atividade da enzima beta-glucosidase nos leucócitos menor do que 10% da média dos controles normais. Os valores normais padronizados pelo laboratório executor deverão ser validados pelo Comitê Estadual de Especialistas.

 

Critérios Menores:

a) Anemia caracterizada por hemoglobina de até 10 g/dl, excluídas outras causas de anemia;

b) Plaquetopenia caracterizada por contagem de plaquetas de até 50.000/mm3, excluídas outras causas;

c) Aumento do tamanho do fígado ou do baço de pelo menos 5 vezes o tamanho normal;

d) Sinais radiológicos de comprometimento esquelético: nos menores de 18 anos com qualquer lesão como osteopenia, “deformidade em frasco Erlenmeyer”, osteoesclerose ou fraturas patológicas; nos maiores de 18 anos é requerida a presença de deformidade ou fratura;

e) Sintomas gerais incapacitantes: dores ósseas, dor abdominal, fadiga, limitação funcional aeróbica caracterizada por dispnéia aos médios ou grandes esforços ou caquexia;

f) Crescimento inapropriado: menores de 18 anos com velocidade de crescimento abaixo do percentil 25 ou estatura com menos de 2 desvios padrão para a idade por pelo menos 6 meses;

g) Comprometimento de outros órgãos: coração, pulmão ou rim.

 

Critérios de Doença de Gaucher Grave:

Será considerado portador de doença de Gaucher grave aquele paciente que apresentar pelo menos um dos itens abaixo:

a) doença óssea avançada ou fratura patológica;

b) tamanho do fígado avaliado por ecografia representando 9% ou mais do peso corporal;

c) tamanho do baço avaliado por ecografia representando 10% ou mais do peso corporal;

d) hipertensão porta identificada por eco-Doppler ou por varizes esofágicas à endoscopia digestiva;

e) contagem de plaquetas igual ou menor do que 50.000/mm3, associada a qualquer tipo de sangramento;

f) hemoglobina menor do que 8 mg/dl;

g) acometimento renal ou cardio-pulmonar;

h) limitação funcional grave caracterizada por doença incapacitante: dispnéia ou dor aos mínimos esforços.

 

Critérios de Exclusão:

Deverão ser excluídos deste protocolo:

a) Pacientes portadores da doença de Gaucher tipo 2: forma neuronopática, pois não há evidência de eficácia da imiglucerase nesta condição clínica;

b) Pacientes portadores de doença de Gaucher assintomática.   

 

Tratamento

Objetivos:

·         Melhora da capacidade funcional aeróbica;

·         Redução da hepatoesplenomegalia;

·         Redução do hiperesplenismo;

·         Redução da dor óssea;

·         Melhora da qualidade de vida do portador.

 

Existe tratamento específico para a Doença de Gaucher. O tratamento depende da gravidade e progressão da doença. O tratamento é à base de injeções de enzimas como a imiglucerase ou a taliglucerase alfa.  O procedimento é considerado mais eficaz quando o SNC do portador não apresenta complicações.

 

Os pacientes de alto risco são aqueles enquadrados nas seguintes situações:

·         Doença óssea em atividade.

·         Fígado maior do que 2,5 vezes o valor normal.

·         Baço maior que 15 vezes o valor normal.

·         Plaquetopenia (abaixo de 60.000/mm3 ou episódios de sangramento documentados.

·         Anemia sintomática ou Hb abaixo ou igual a 8 g/dL

·         Doença hepática grave.

·         Doença renal grave.

·         Limitação funcional grave caracterizada por doença incapacitante.

·         Qualquer condição clínica concomitante que possa exacerbar ou complicar a Doença de Gaucher.

 

Nos casos em que a esplenomegalia causa desconforto abdominal, afeta os sintomas respiratórios e compromete a dificuldade para a deambulação em virtude do tamanho do baço, afetando a qualidade de vida do paciente é indicada a esplenectomia (retirada do baço) que pode ser dependendo do caso total (retirada cirúrgica total do baço) ou subtotal/parcial (conserva parte do baço). A falta do baço (asplenia) em alguns casos pode ser pior do que os sintomas da doença.

 

Complicações da esplenectomia total:

·         Septicemia, que em alguns casos pode evoluir para o óbito do paciente.

·         Agravamento da infiltração gordurosa no fígado e na medula óssea.

·         Insuficiência hepática.

·         Fraturas ósseas.

·         Tromboembolismo.

·         Alterações hematológicas.

 

 A doença de Gaucher pode ser tratada por vários tipos de medicamentos, conforme a manifestação clínica apresentada. Mais recentemente, no Brasil a doença pode ser tratada pelos medicamentos Alfavelaglucerase, Taliglucerase alfa e Miglutaste.

Pacientes com doença de Gaucher tipo 3 podem receber tratamento individualizado, conforme avaliação de do Comitê Estadual de Especialistas.

A administração do medicamento Imiglucerase deve ser realizada em ambiente hospitalar, devido a possibilidade de ocorrência de fenômenos alérgicos. Este medicamento é considerado essencial a melhoria da qualidade de vida dos portadores sintomáticos da Doença de Gaucher, sendo incluído no rol dos Medicamentos Excepcionais do SUS.

 

O tratamento para a Doença de Gaucher deve ser mantido por toda a vida do paciente. A dosagem pode ser reduzida, mas nunca suprimida totalmente. Não havendo resposta adequada ao tratamento a dosagem pode ser aumentada conforme decisão do Comitê Estadual de Especialistas.


 

Dúvidas de termos técnicos, consulte o glossário específico de Doenças Neurológicas ou o Glossário geral.