CORÉIA DE SYDENHAM
Introdução
A Coréia de Sydenham (CS) é um transtorno do sistema nervoso central (SNC) caracterizado por movimentos repentinos, involuntários, arrítmicos, clônicos e sem propósito. Eles estão associados com hipotonia, falha motora e sintomas psicológicos, assim como dificuldade de fala e de marcha. A CS caracteriza-se pelo aparecimento de movimentos involuntários arrítmicos, incoordenados, bruscos, hipotonia muscular e geralmente é acompanhada de distúrbios psicológicos.
A CS ocorre principalmente na infância e adolescência (entre os 5 e 15 anos de idade), e possui a tendência de recidivar, sendo mais freqüente no sexo feminino, na proporção de 3:1; na idade adulta pode ocorrer durante a gravidez ("coréia gravídica"). Das manifestações clínicas, a mais exuberante são os movimentos coréicos, que, além de involuntários, se apresentam incoordenados, bruscos, arrítmicos e sem finalidade. Geralmente, têm início na face, sob a forma de careteamentos, isto é, parece que a criança está fazendo caretas, e a manifestação pode ser interpretada inicialmente como "peraltice" da criança.
A Coréia de Sydenham foi ligada mais recentemente ao espectro do transtorno obsessivo-compulsivo (TOC). Descrições informais sugeriram que o tique pós-coréico, a coprolalia e o comportamento impulsivo eram seqüelas da CS. Estudos mais sistemáticos começaram a demonstrar uma alta incidência de sintomas obsessivo-compulsivos (SOC), assim como o TOC em crianças com Coréia de Sydenham. Embora alguns investigadores tentem associar a CS com outro transtorno psiquiátrico, tal como a esquizofrenia, tais esforços não têm sido bem-sucedidos.
Sinonímia
A Coréia de Sydenham também é conhecida pelos seguintes nomes:
Baile de São Vito.
Coréia aguda da infância.
Coréia de São Vito.
Coréia infecciosa.
Coréia minor.
Coréia reumática.
Coréia reumatismal.
Doença de São Vito.
Causas
Desde o estabelecimento de uma relação entre a Coréia de Sydenham e a Febre Reumática (FR), há especulação a respeito do papel dos processos imunológicos na gênese da CS. Aceita-se comumente que uma infecção estreptocócica β-hemolítica precedente tenha ocorrido, embora ela nem sempre possa ser documentada. Portanto, quando a CS é a manifestação inicial e isolada da Febre reumática, torna-se necessário, excluir outros possíveis diagnósticos neurológicos. O conhecimento atual sobre as causas e a fisiopatologia da CS, podem ser divididos em quatro áreas:
Neuroanatomia: Os mecanismos etiológicos na CS possivelmente envolvem a disfunção do gânglios da base. Um modelo recente sugere que as alças paralelas conectam o estriado e o córtex cerebral. Pesquisadores propuseram a existência de cinco circuitos: o motor, o oculomotor, o dorsolateral pré-frontal, o orbitofrontal lateral e os circuitos cingulados anteriores. Cada uma dessas alças modula diferentes expressões comportamentais.
Neuroquímica:Os principais sintomas da CS incluem movimentos anormais e hipotonia que se acredita serem resultantes de um desequilíbrio entre o sistema dopaminérgico, sistema colinérgico intra-estriatal e o sistema inibitório do ácido gama-aminobutírico (GABA).
Imunologia: Acredita-se atualmente que os sintomas da CS e FR estejam relacionados a uma doença auto-imune. O que permanece obscuro é o mecanismo preciso pelo qual isto ocorre.
Genética: Há mais de 100 anos, foi observado que a FR freqüentemente aparecia em múltiplos membros de uma família afetada. A partir dessa observação inicial, a questão sobre a vulnerabilidade hereditária para desenvolvimento de distúrbios estreptocócico-associados tem sido pesquisada.
Pesquisas futuras são necessárias, a fim de auxiliar a elucidação da base genética, neuroanatômica, imunológica e neuroquímica da Coréia de Sydenham.
Origem
O termo coréia é de origem greco-latina, significando “dança”, e é utilizado em neurologia para descrever movimentos involuntários breves, ao acaso, súbitos, rápidos e arrítmicos, que variam em gravidade. A coréia reumática foi descrita inicialmente por Thomas Sydenham em 1686, sendo chamada também, durante a Idade Média, de Dança de São Vito; caracteriza-se pelo aparecimento de movimentos involuntários do tipo coréico, impersistência motora, fraqueza muscular e distúrbios de fala. Em 1780, Stoll descreveu dois casos que pareciam sugerir uma associação entre a artrite e a coréia. No século XIX ela foi associada à Febre Reumática (FR); é considerada um dos sinais maiores para o diagnóstico dessa enfermidade. A associação entre infecção pelo Streptococcus do grupo A e o desenvolvimento da FR proporcionou um elo causal entre as duas entidades. Esta relação foi melhor estabelecida por Roger, em seus relatos de 1866 e 1868. Embora a literatura norte-americana tenha começado a discutir a associação entre a CS e a FR no início deste século, levou-se muito mais tempo para que estes conceitos fossem aceitos em outros países.
Incidência
Maior predomínio de casos em pessoas do sexo feminino.
A doença tem maior incidência em indivíduos do sexo feminino.
Incidência maior da doença nos meses da primavera.
Idade de início da doença
Na maioria dos casos o início da doença é insidioso, a criança é considerada apenas desajeitada ou irrequieta, por isso a dificuldade em estabelecer uma idade exata. A média em geral está entre 5 e 15 anos.
Duração da doença
Em média, uma remissão completa com retorno às atividades normais é alcançada de 2 a 3 meses após o início do transtorno de movimentos. As seqüelas neurológicas podem continuar na forma de vários graus de incoordenação, tremor e desajeitamento. Embora os estudos preliminares registrem uma taxa de recidiva de 33% a 55%, o trabalho mais recente encontrou taxas menores de 10% a 25%.
O intervalo entre o primeiro e o segundo episódio de Coréia de Sydenham tende a ser de 1,5 a 2,5 anos. A CS também pode ocorrer novamente durante a gravidez (coréia de gravidez) e pode ser induzida por contraceptivos orais ou agonistas da dopamina.
Coréia de Sydenham e a Febre Reumática
Embora as coréias infecciosas da infância sejam relacionadas à doença reumática, observa-se em todas as casuísticas uma porcentagem (que pode atingir até 25% dos casos) na qual não se encontra antecedentes ou atividade reumática. Os cardiologistas e reumatologistas, seguindo o critério de Jones, consideram a coréia como "sinal maior", entre outros, da atividade reumática. Embora se aceite a participação da doença reumática na etiopatogenia da maior parte dos casos de coréia infecciosa da infância, tem sido difícil na prática demonstrar a relação entre a infecção estreptocócica e a Coréia de Sydenham. Em determinados casos, raros, é possível o desenvolvimento simultâneo de manifestações reumáticas e coréiacas.
Formas clínicas
Coréia clássica.
Coréia mole.
Coréia gravídica.
Coréia mental.
Hemicoréia (forma com sintomatologia unilateral)
Sinais e sintomas
A Coréia de Sydenham é um dos principais indicadores diagnósticos da Febre reumática, juntamente com a cardite e a artrite. Normalmente, apenas de 10% a 20% dos pacientes de CS possuem outros sintomas reconhecidos de FR, sendo a cardite o mais comum, presente em cerca de 30% dos pacientes. O quadro clínico costuma ser de ciclo autolimitado, ocorrendo a resolução no prazo de semanas ou meses.
O sintoma principal da Coréia de Sydenham são os movimentos involuntários. Eles podem ser generalizados ou unilaterais e tendem a afetar predominantemente as extremidades e a face. Os movimentos ocorrem em repouso, podem começar gradual ou repentinamente e são exacerbados pelo estresse. Esses movimentos involuntários, no entanto, desaparecem durante o sono. Praticamente todos os pacientes também apresentam os sinais neurológicos anormais de hipotonia e inquietação motora que, em combinação com os movimentos coréicos, dão origem à falta de coordenação, distúrbios na marcha e comprometimento da fala. Os movimentos na CS não podem ser nem iniciados ou inibidos pela vontade do paciente.
A disartria ocorre em quase 40% dos casos e, dada a discinesia dos músculos da articulação, é provavelmente extrapiramidal na origem em vez de ser causas pela função cerebelar ou piramidal descontrolada.
A fraqueza é também um sintoma comum e tende a interferir nas atividades da vida diária. São os casos com hipotonia grave, e podem facilmente ser diagnosticados de forma equivocada, como tendo tetraparesia flácida. Na verdade, estes pacientes têm uma forma especial de CS, chamada de coréia paralítica ou coréia mole.
Os pacientes com CS também apresentam uma série de manifestações psicológicas e psiquiátricas, tais como depressão, ansiedade, alterações de personalidade, labilidade emocional, TOC (Transtorno obsessivo-compulsivo), tiques e transtorno de déficit de atenção. Estas têm sido consideradas secundárias às dificuldades motoras, ainda que ocasionalmente estes sintomas precedam o início do transtorno do movimento. Não está esclarecido, no entanto, se os sintomas psicológicos são secundários ao transtorno do movimento ou se são de fato uma parte integral da doença neurológica.
Diagnóstico
Anamnese (verificar sempre antecedentes reumáticos).
Exame físico.
Exame cliníco.
Exame neurológico.
Exame psiquiátrico.
Exames laboratoriais: os exames laboratoriais geralmente estão inalterados na vigência da coréia; porém em determinados centros, têm sido valorizados os altos títulos da antidesoxirribonuclease B encontrados no soro de doentes com coréia, porque esses títulos permanecem elevados por longo tempo após uma infecção estreptocócica.
EEG - Eletroencefalograma: os achados eletrencefalográficos ainda são controvertidos, e a incidência de ondas lentas (delta ou teta) em áreas posteriores é objeto de discussão quanto ao seu significado, levando em conta a faixa etária da maioria dos coréicos (até a adolescência é discutível o significado das ondas lentas em áreas posteriores, podendo o seu achado representar apenas o grau de maturidade cerebral).
ECG - Eletrocardiograma: auxilia a comprovação de alguma lesão cardíaca.
TC - Tomografia Computadorizada.
Diagnóstico Diferencial
O diagnóstico diferencial deve ser feito para que a Coréia de Sydenham não seja confundida com outras patologias com quadro clínico semelhante. Através dos exames clínico, físico, neurológicos, psiquiátricos, laboratoriais e estudos radiológicos o médico pode excluir essas doenças, até chegar ao diagnóstico correto. As doenças que podem ser confundidas com a Coréia de Sydenham são as seguintes:
Coréia de Huntington ou Doença de Huntigton.
Coréia familiar benigna.
Síndrome de Tourette.
Tratamento
Tratamento medicamentoso:
Sedação dos pacientes agitados com fenobarbital ou benzodiazepínicos; controle dos movimentos coréicos com butirofenona (Haldol) ou clorpromazina (Amplictil) .
Administração de Penicilina benzatínica no músculo, na dose de 1.200.000 unidade cada 30 dias, é obrigatório até os 21 anos de idade.
Administração do Ácido valproico: esse medicamento é considerado o mais eficaz na supressão dos movimentos coréicos. Esse medicamento acentua a atividade do GABA, um neurotransmissor inibitório do circuito estriado-nigral e estriado-palidal, que está acentuadamente diminuído no cérebro coréico. O uso de Valproato de sódio na CS mostra evidências de resposta em 10 dias, com uma dose entre 15 e 20 mg/kg/dia.
Administração de Carbamazepina também pode ter um efeito positivo na CS. A ação colinérgica da carbamazepina no estriado aumenta o nível de acetilcolina, induzindo um novo equilíbrio no balanço dos sistemas colinérgico e dopaminérgico. Na CS, o sistema dopáminérgico é hiperativo e o colinérgico é hipoativo. O estímulo da carbamazepina sobre o sistema colinérgico promove uma diminuição relativa na dopamina, semelhante à ação produzida por medicamentos neurolépticos.
Administração de corticosteróides: esses medicamentos agem através de suas propriedades imunossupressoras, são utilizados amplamente para tratar a cardite. Este fato tem levado à sua utilização, em associação com outros medicamentos, no tratamento da CS, embora estudos controlados sejam necessários para pesquisar sua eficácia.
Controle do paciente: Todo paciente que apresenta Coréia de Sydenham deve ser seguido até os 21 anos de idade, tratando-se as possíveis recorrências, e prevenindo as seqüelas tardias da FR, sobretudo as cardíacas.
Seqüelas
As seqüelas geralmente são decorrentes do comprometimento neurológico do primeiro surto, e das recidivas da Coréia de Sydenham. As sequelas cardíacas e a artrite são decorrentes da relação entre a Febre reumática e os distúrbios a esta associados com uma infecção estreptocócica antecedente.
Existem estudos científicos que corroboram na associação da CS com a Febre reumática, isto é, alguns pacientes com Febre reumática podem ter a sintomatologia da CS, e pacientes com a Coréia de Sydenham, no passado tiveram a Febre reumática.
SOC (Sintomas obsessivo-compulsivos).
TOC (Transtorno obsessivo-compulsivo).
Distúrbios cardíacos.
Doença cardíaca valvular.
Artrite.
Disartria.
Distúrbios na marcha.
Falta de coordenação dos movimentos.
Alterações de personalidade.
Tremor.
Fraqueza muscular.
Coprolalia.
Comportamento impulsivo.
Dúvidas de termos técnicos e expressões, consulte o glossário específico de Doenças Neurológicas.