INFECÇÃO CONGÊNITA PELO CITOMEGALOVÍRUS


Definição

A Citomegalovirose (CMV) é uma doença infecciosa produzida por um vírus que pode infectar o feto ou recém-nascido. A transmissão materno-fetal pode  ocorrer em qualquer período da gestação. Tanto no caso da infecção congênita, quanto  na infecção perinatal, a excreção do CMV é caracteristicamente prolongada, o vírus é excretado consistentemente na orofaringe e urina, por períodos de até cinco anos, em quantidade superior às observadas em crianças maiores ou adultos infectados

Sinonímia

É uma doença também conhecida pelos seguintes nomes:

·         Doença de Inclusão Citomegálica.

·         Citomegalovirose.

Incidência

·         O CMV é considerado o mais freqüente agente infeccioso de infecção congênita no homem.

·         Maior incidência nas populações de nível sócio-econômico  mais baixo.

·         95% das crianças infectadas, se apresentam sob a forma assintomática ou subclínica.

Obs: A relação com o nível sócio-econômico foi comprovada através de estudos prospectivos que  compararam a incidência de infecção congênita em gestantes de diferentes níveis, em uma mesma área geográfica. Constatou-se, nestas condições, incidências pelo menos duas vezes maiores nas sub-populações de baixo nível sócio-econômico  em relação às sub-populações de nível sócio-econômico mais elevado.

Agente etiológico

O vírus é denominado de citomegalovírus (CMV); família Herpesviridae; subfamília Betaherpesviridae; sendo morfologicamente indistinguível dos vírus Varicela-Zoster, Herpes simplex, e vírus de Epstein-Barr, que constituem-se nos outros vírus da família Herpesviridae que infectam o homem.

Características do vírus

O citomegalovírus a exemplo dos outros vírus da família Herpesviridae. O CMV tem a capacidade de persistir no hospedeiro infectado por períodos prolongados. Infecções persistentes são observadas em RN, crianças maiores e adultos, e a excreção viral após a infecção inicial pode perdurar por muitos meses ou anos.

Além disso, o CMV pode acarretar as assim chamadas infecções latentes ou não produtivas. Neste caso, o genoma viral não se multiplica, nem produz qualquer alteração na célula infectada. Contudo, por alterações do equilíbrio vírus versus hospedeiro, o CMV pode voltar a se multiplicar e, eventualmente provocar novamente sintomas clínicos. Esta peculariedade é responsável pelo caráter oportunista observado no CMV e nos outros vírus da família Herpesviridae.

O CMV pode atingir todos os órgãos, particularmente cérebro, fígado, baço, rins e pulmões. Células de inclusão são menos freqüentemente encontradas no pâncreas, tireóide e cérebro e mais raramente no intestino, glândulas paratireóides e timo.

Fonte de infecção

As crianças  infectadas parecem constituir-se fonte de infecção para seus pais e irmãos maiores, tendo-se demonstrado em famílias que possuem crianças  pequenas, as taxas de aquisição do CMV são muito maiores que a população geral. 

Transmissão

A transmissão materno-fetal parece ocorrer em qualquer período da gestação. Existem alguns dados que sugerem ser mais grave no primeiro trimestre da gestação. Contudo, estudos correlacionando a idade gestacional em que ocorre a infecção materna e a freqüência  e gravidade da infecção fetal são escassos, sendo até certo ponto inconclusivos. Isto se deve basicamente ao fato de a infecção materna ser geralmente assintomática, dificultando deste modo a determinação exata de sua ocorrência. 

A transmissão para o feto e o recém-nascido pode ser feita nos seguintes casos:

·         Transmissão intra-uterina através da infecção  materna.

·         Transmissão perinatal através da excreção do CMV em secreções da cérvix uterina que atinge o recém-nascido através do contato direto com as mucosas  contaminadas  durante o trabalho de parto

·         Transmissão perinatal através da excreção do CMV no leite materno, o RN adquire a doença no processo de amamentação.

·         Transmissão iatrogênica através de transfusões de sangue. A transmissão através de transfusões de sangue  já foi comprovada em cirurgias extracorpóreas, em exsanguíneotransfusões de recém-nascidos e mesmo em transfusões intra-uterinas.

Obs: A excreção prolongada do CMV na urina e secreções da orofaringe das crianças infectadas congenitamente ou no período perinatal, por sua vez, constitui-se fonte importante de transmissão do vírus para outras crianças. Isto é particularmente importante em creches, tendo-se documentado, em países desenvolvidos, taxas de excreção do CMV em cerca de 20%  das crianças. Contudo, na faixa etária de um a dois anos de idade, estes mesmos estudos revelaram taxas de infecção de até  70 a 80%. Essas altas taxas de infecção nesta faixa etária, são decorrentes do fato das crianças terem a liberdade de se locomover e pegar chupetas uma das outras, acarretando com isto,  contato mais íntimo, e  a transmissão do vírus possa se proliferar mais facilmente.

Formas de apresentação 

Assintomática: a doença praticamente não se manifesta.

Subclínica: RN podem apresentar tardiamente nos primeiros anos de vida algumas anormalidades, principalmente neurológicas e auditivas, sendo que paralisia cerebral, retardo mental e  a perda da acuidade auditiva constituem as principais alterações observadas  nesta forma de apresentação da doença.

Sintomática: RN com  a forma sintomática podem se apresentar com a doença leve ou moderada, esboçando sinais clínicos como icterícia  leve, púrpura trombocitopênica transitória, dificuldade para se alimentar, surdez, insuficiência respiratória leve e hepatoesplenomegalia isolada.

Grave: RN que apresentam  a forma mais grave da doença de inclusão citomegálica ocorre em menos de 1: 3.000 nascimentos, sendo acompanhada por envolvimento de múltiplos órgãos, particularmente o sistema reticuloendotelial e o Sistema Nervoso Central (SNC).

Manifestações clínicas da forma grave

A grande maioria dos RN  infectados pelos vírus CMV são  prematuros ou de baixo peso com retardo do crescimento intra-uterino. Esses RN podem apresentar o seguinte quadro clínico:

Sinais e sintomas mais comuns logo após o nascimento no RN com o vírus CMV:

·         Hepatoesplenomegalia.

·         Microcefalia.

·         Icterícia.

·         Fenômenos hemorrágicos.

·         Retinocoroidite.

·         Calcificações intracranianas.

Neurológico:  o comprometimento do SNC é sempre grave, caracterizado por uma encefalite intra-uterina crônica, As principais manifestações clínicas neurológicas são: microcefalia, calcificações periventriculares, retardo mental, paraparesia, diplegia espástica e convulsões, além de coriorretinite e surdez detectada mais tardiamente. A microcefalia é um dos sinais clínicos mais freqüentes,  ocorrendo em cerca de 80% dos RN como resultado do comprometimento cerebral. As calcificações intracranianas ocorrem relativamente cedo na gestação, e freqüentemente estão presentes na maiorias dos casos com microcefalia grave. A obstrução do IV ventrículo por depósito de cálcio pode levar ao desenvolvimento de hidrocefalia.

Oftalmológico:  entre as alterações oculares, a retinocoroidite, o estrabismo, atrofia óptica, microftalmia, necrose retiniana, amaurose, malformações do disco óptico e da câmara anterior. Em geral as lesões oculares persistem pela vida inteira, tornando-se inativas por ocasião da primeira infância.

Pulmonar: O comprometimento pulmonar pode estar presente embora menos freqüente que os outros sinais clínicos. A pneumonite intersticial é em geral difusa e pode ser detectada precocemente, particularmente nos casos mais graves, evoluindo para a morte por insuficiência respiratória. A pneumonite pode ocorrer mais tardiamente nos primeiros seis meses de vida, sendo acompanhada por tosse do tipo coqueluchóide.

Visceral: A hepatomegalia associada à esplenomegalia é o sinal clínico mais freqüente. O fígado e o baço podem ser bastante aumentados, medindo o fígado cerca de 4 a 7 cm abaixo do rebordo costal direito e o baço 5 a 6 cm abaixo do rebordo costal esquerdo. O fígado é geralmente de consistência amolecida e pouco doloroso. Hepatite neonatal, hematopoiese extramedular sempre estão presentes, podendo alguns bebês evoluir para cirrose hepática. Em muitos casos a hepatoesplenomegalia permanece além do segundo ano de vida. O aumento do  fígado e baço constitui uma resposta do sistema reticuloendotelial à infecção crônica.

Hematológica:  As alterações hematológicas caracterizam-se por petéquias, púrpuras, sufusões hemorrágicas que são comumente observadas nas crianças com quadro grave de CMV congênito. Em geral, as petéquias são puntiformes, mas podem ser grandes e abundantes aparecendo logo após o nascimento, persistindo de algumas semanas a meses, dependendo da evolução do paciente, podendo ser a única manifestação clínica do CMV. A plaquetonia por vezes é muito acentuada, variando de 2.000 a 60.000, sendo responsável pelas sufusões hemorrágicas que facilmente ocorrem nestes pacientes.

Principais anormalidade extraneurais:

Cardiovascular:                       

·         Defeito dos septos atrial e ventricular.        

·         Estenose congênita da mitral.                            

·         Tetralogia de Fallot.

·         PCA - Persistência do Canal Arterial.

·         Retorno venoso anômalo.

·         Folheto semilunar acessório do forâmen oval.

Gastrintestinal:

·         Atresia biliar.

·         Atresia biliar do esôfago.

·         Megacólon.

·         Estenose do íleo e cólon.

·         Fenda palatina.

·         Perfuração intestinal.

·         Malformação do piloro.

Geniturinário:

·         Renomegalia.

·         Hipospadia.

Pulmonar:

·         Cistos pulmonares.

·         Imaturidade pulmonar.

·         Hipoplasia tímica.

Músculo-Esquelético:

·         Flacidez da musculatura abdominal.

·         Pés tortos.

·         Luxação congênita do quadril.

·         Hérnia inguinal.

·         Diplegia espástica.

·         Quadriplegia.

·         Hipotonia generalizada.

Diagnóstico

De um modo geral é difícil o diagnóstico apenas pelo quadro clínico nas formas sintomática e subclínica. Nas formas graves disseminadas  com comprometimentos visceral e neurológico incluindo a presença de calcificações intracranianas de localização periventricular, é possível uma forte suspeita da doença. O diagnóstico definitivo dependerá dos exames laboratoriais específicos.

·         Anamnese materna, com exame laboratorial para confirmar a transmissão materna.

·         Quadro clínico.

·         Exame físico.

·         Exames laboratoriais

·         Exame de urina.

·         Testes de função hepática.

·         Exame do LCR (líquido cefalorraquidiano).

·         Testes sorológicos.

·         Testes imunoenzimáticos (ELISA).

·         Raios X do crânio.

·         TCE - Tomografia Computadorizada Encefálica.

·         USG - Ultra-sonografia.

Diagnóstico diferencial 

O diagnóstico diferencial deve ser feito para que a Infecção Congênita pelo Citomegalovírus não seja confundida com outras patologias com quadro clínico semelhante. Através dos exames clínico, físico, laboratoriais e estudos radiológicos o médico pode excluir essas doenças, até chegar ao diagnóstico correto. As principais doenças  que podem ser confundidas com a Infecção Congênita pelo Citomegalovírus são as seguintes:

·         Toxoplasmose congênita.

·         Rubéola congênita.

·         Eritroblastose fetal.

·         Infecção disseminada  pelo vírus Herpes simplex (VHS).

·         Septicemia.

·         Sífilis congênita.

·         Doença de Chagas congênita.

·         Infecções por enterovírus.

Tratamento

Não existe terapêutica específica e efetiva para  o tratamento do CMV congênito.  Várias drogas têm sido estudadas e utilizadas, porém sem resultados satisfatórios.

·         O tratamento é sintomático conforme os sintomas e suas intercorrências.

·         O recém-nascido que apresenta a forma grave da doença deve ser assistido em uma UTI neonatal.

·         Tratamento com neurologista pediátrico  caso a criança tenha manifestações neurológicas graves e que deixem seqüelas; esse tratamento é a longo prazo

·         Crianças maiores podem necessitar de terapêutica ortodôntica intensiva a longo prazo,  não só pelos problemas de calcificação dos dentes como também por defeitos do crescimento e desenvolvimento do complexo dentofacial secundário à microcefalia e ao retardo do crescimento.

Prognóstico: A mortalidade nos recém-nascidos com a forma sintomática da doença é alta, em torno de 30%, podendo ocorrer no período neonatal ou meses mais tarde. Nas crianças sobreviventes, a incidência de seqüelas  neurológicas é alta. No grupo de crianças com a doença subclínica  ou assintomática, o prognóstico parece melhor, porém têm sido relatados defeitos na dentição em cerca de 10 a 15% dos pacientes durante os primeiros anos de vida. A excreção viral nestas crianças é prolongada, caracterizando a cronicidade da doença; alteração de aparecimento tardio mais significativa e importante  é a surdez sensorioneural.

Seqüelas

·         Retardo mental.

·         Retardo motor.

·         Calcificação intracraniana.

·         Retinocoroidite.

·         Cegueira.

·         Convulsões.

·         Paralisia cerebral.

·         Defeitos na dentição.

·         Diplegia espástica.

·         Surdez sensorioneural.


Dúvidas  de termos técnicos e expressões, consulte o Glossário geral.

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