HERPES NEONATAL
Introdução
A Infecção Neonatal pelo Vírus Herpes Simples (VHS), embora relativamente incomum, é uma doença sempre grave e acompanhada por significativa morbimortalidade, mesmo com terapêutica antiviral. Excepcionalmente a doença é assintomática, ja que a grande maioria dos recém-nascidos infectados são portadores da forma disseminada ou localizada em Sistema Nervoso Central (SNC), olho e/ ou pele. O risco de infecção congênita se restringe às gestantes que adquirem o herpes nas primeiras 20 semanas de gestação.
As infecções neonatais causadas pelo VHS-1 geralmente são adquiridas após o nascimento, por contato íntimo com familiares portadores de herpes orolabial sintomático ou assintomático, ou ainda por transmissão hospitalar. Existe também um alto risco de infecção herpética neonatal pelo VHS -2 em gestantes que adquiriram herpes genital durante o terceiro trimestre de gestação. Portanto, a infecção materna pelo VHS é sempre acompanhada por altos riscos durante todas as fases da gestação, particularmente na infecção primária e no último trimestre de gravidez.
Incidência
Menos de 10% dos casos de herpes neonatal são representados pelas infecções congênitas, conseqüência de disseminação hematogênica fetal resultante de viremia materna.
Cerca de 50% dos bebês sobreviventes de infecção herpética disseminada pode ter algumas seqüelas neurológicas e/ ou oculares graves.
70% das infecções herpéticas neonatais são causadas por VHS-2, e resultam do contato do feto durante o parto, com secreções genitais e mucosas maternas que albergam o vírus.
Agente etiológico
Vírus Herpes simples (VHS-1 e VHS-2); grupo Herpes; família Herpesviridae; virion que contém dupla fita de DNA: a replicação do VHS leva à morte a célula do hospedeiro, pelo menos parcialmente, por desviar toda sua aparelhagem de síntese proteíca em seu proveito.
Os dois tipos de VHS assemelham-se quanto às características biológicas, porém o VHS-2 tem patogenicidade aumentada em localização genital comparada à orofacial, ao contrário do VHS-1 que tem maior afinidade pelas regiões orofaciais. Além disso, tanto as doenças localizadas, como as sistêmicas, causadas pelo VHS-2 apresentam uma morbidade mais alta do que as provocadas pelo VHS-1.
Patogênese
O contato do vírus com superfícies mucosas ou lesões de continuidade cutâneas, permite a penetração do VHS e sua replicação nas células da epiderme e da derme. Esta fase da infecção pode se desenvolver completamente assintomática, embora nos recém-nascidos seja mais freqüente o aparecimento de vesículas cutâneas em decorrência da lise celular no sítio primário de inoculação. A infecção costuma envolver os gânglios de drenagem linfática e quando progride além deste ponto à viremia e acometimento de outros órgãos, particularmente do sistema nervoso central, fígado e baço.
Os recém-nascidos não contam com um sistema imune plenamente desenvolvido, o que justifica a incidência elevada de herpes sistêmico nesta faixa de idade. Vários estudos tentam correlacionar o título de anticorpos Anti-VHS no sangue do cordão umbilical com a gravidade da doença neonatal.
Patologia
A infecção do feto e RN pelo VHS pode levar a comprometimento de vários órgãos.
Lesões cerebrais: na infecção intra-uterina precoce o VHS pode produzir malformações congênitas, particularmente defeitos do tubo neural. No cérebro pode ocorrer processo inflamatório extenso caracterizado por Meningoencefalite difusa.
Lesões pulmonares: as lesões nos pulmões são muito graves, caracterizadas por áreas de necrose peribrônquicas, alterações inflamatórias no epitélio brônquico e presença de inclusões virais características do VHS nos alvéolos pulmonares.
Na infecção disseminada vários órgãos são comprometidos, particularmente fígado e glândulas adrenais; outros órgãos são também afetados como aqueles do trato gastrintestinal, destacando-se a glossite herpética e a esofagite acompanhada por ulceração extensa da mucosa esofágica com processo inflamatório difuso.
Lesões placentárias: nas membranas placentárias existem numerosos focos de amnionite e deciduidite necrotizantes com presença de corpúsculos intranucleares nas áreas de necrose. A presença de corioamnionite constitui evidência morfológica de infecção congênita adquirida caracteristicamente por via ascendente através do cérvix materno, produzindo deste modo infecção fetal.
Transmissão
A transmissão transplacentária embora seja uma via de transmissão rara, é geralmente muito grave podendo levar inclusive a malformações congênitas, particularmente do SNC, sugerindo um efeito viral neurotrópico teratogênico. O bebê geralmente apresenta a doença já disseminada ou localizada, logo após o nascimento.
Transmissão intra-uterina durante o trabalho de parto a partir da rotura prematura das membranas, nesse caso particular a doença só se manifestará após alguns dias, geralmente após o 15° dia do nascimento.
Transmissão no período neonatal.
Pode ocorrer também a transmissão para o RN pelo leite materno.
Manifestações clínicas
O RN pode adquirir a infecção na vida intra-uterina, durante o parto e no período neonatal; neste último caso, como conseqüência de exposição pós-natal ao VHS.
Infecção intra-uterina: A infecção intra-uterina pelo VHS pode ser classificada em duas etapas:
Precoce: quando ocorre nas primeiras oito semanas de gestação, o VHS pode produzir malformações congênitas, particularmente defeitos do tubo neural; lesões neurológicas, oculares e viscerais graves são freqüentes na infecção fetal precoce.
Tardia: após a oitava semana de gestação, na qual podem ser observadas formas menos graves da infecção herpética.
A maioria dos RN com infecção intra-uterina pelo VHS pode apresentar as seguintes manifestações clínicas:
Retardo do crescimento intra-uterino.
Prematuridade.
Anormalidade dos membros.
Lesões cerebrais: microcefalia, porencefalia, hidranencefalia (atrofia cerebral), calcificações intracranianas, convulsões.
Malformações cardíacas.
Lesões de pele: vesículas agrupadas, bolhas, áreas de lesões hipopigmentadas; as lesões bolhosas assemelhavam-se à epidermólise bolhosa, áreas de cicatrizes envolvendo couro cabeludo, face, tronco ou extremidades; as lesões cutâneas podem aparecer logo após o parto ou dentro de 72 horas após o nascimento
Lesões oftálmicas: microftalmia, coriorretinite, calcificação do cristalino.
Retardo psicomotor.
Quadriplegia espástica.
Pneumonite.
Instabilidade térmica.
Infecção adquirida: Na infecção adquirida os recém-nascidos são infectados durante o parto ou no período pós-natal. Podem ser agrupados em duas categorias principais:
Doença disseminada: São aqueles bebês com a doença já disseminada com envolvimento de múltiplos órgãos: cérebro, pulmão, fígado, adrenais, pele, olho e/ ou boca. São RN graves que necessitam de UTI neonatal devido aos graves comprometimentos e lesões disseminadas em vários órgãos. O quadro clínico ocorre em média no 15° dia de vida, durante a segunda semana após o nascimento. Em bebês com infecção disseminada em que a apresentação da doença é na forma predominantemente neurológica, em casos raros, pode evoluir para a completa liquefação do cérebro. A mortalidade na forma disseminada na ausência de terapêutica é alta, em torno de 80%, e a grande maioria desenvolve seqüelas graves. A causa de óbito mais freqüente, infelizmente é relacionada à insuficiência respiratória por pneumonite e coagulação intravascular disseminada. Os sintomas e sinais clínicos iniciais podem incluir:
anorexia;
vômitos;
iritabilidade;
glossite herpética;
esofagite;
crises de apnéia;
cianose;
convulsões;
exantema vesicular característico;
insuficiência respiratória;
icterícia grave;
hepatoesplenomegalia;
diátese hemorrágica;
meningoencefalite grave;
coma; choque.
Doença localizada: na forma localizada que acomete cerca de 30 a 50% dos RN, os locais de preferência são: SNC, olho, pele ou mucosas com ou sem evidência de envolvimento visceral. Bebês que têm a forma localizada de olho e/ ou pele podem desenvolver comprometimento do SNC grave. Cerca de 10% dos bebês acometidos têm evidência de infecção pelo VHS da orofaringe. Os sintomas e sinais clínicos iniciais podem incluir:
letargia;
irritabilidade;
tremores;
crises convulsivas persistentes e de difícil controle;
fontanela abaulada;
instabilidade térmica;
crises de apnéia;
alterações do trato piramidal;
encefalite;
perda dos reflexos de sucção e deglutição;
choro de timbre alto;
hemorragias;
alterações hepáticas;
infecções localizadas da orofaringe são também acompanhadas por lesões de boca e língua com ou sem a presença da doença disseminada;
lesões oftálmicas: conjuntivite, ceratoconjuntivite, retinocoidite, úlcera de córnea, catarata e atrofia óptica, displasia retiniana e microftalmia.
lesões vesiculares ocorrem em 90% das crianças com infecção de pele, olho ou boca e constituem as manifestações cutâneas mais comuns da doença herpética, com ou sem envolvimento de outros órgãos. As vesículas da pele geralmente apresentam-se com base eritematosa medindo 1 a 2 mm de diâmetro podendo evoluir para lesões maiores bolhosas medindo mais de 1 cm em diâmetro. Estas lesões cutâneas podem recidivar em diferentes locais da pele por vários anos, particularmente nos primeiros seis meses de vida, independente da terapêutica. Em alguns casos as lesões de pele podem progredir para a doença disseminada.
Diagnóstico
O diagnóstico imediato é de fundamental importância para a instituição precoce do tratamento, contribuindo para uma menor morbimortalidade.
Anamnese da mãe, junto com exames clínicos e laboratoriais.
História epidemiológica de lesões herpéticas agudas ou recorrentes nos pais são de grande importância no sentido de definir o mais precocemente possível o diagnóstico de infecção herpética neonatal, para que se possa iniciar imediatamente a terapêutica específica.
Exame físico do RN.
Exame clínico.
Exames oftalmológicos.
Cultura da secreção ocular.
Exames laboratoriais particularmente hemograma e hemocultura.
Estudos hematológicos para detecção de coagulação sanguínea devem ser realizados particularmente em bebês com infecção disseminada e comprometimento hepático. Diátese hemorrágica e coagulação intravascualr disseminada (CIVD) podem estar presentes nesses bebês.
Testes sorológicos (pesquisa de anticorpos específicos contra o vírus).
Teste ELISA é o teste mais frequente para detecção de anticorpos VHS; mas ainda o ELISA de captura Spit-test, consegue diferenciar anticorpos anti VHS-1 do VHS-2.
Cultura do VHS nas lesões de pele.
Análise do LCR pode detectar também o vírus, e outras alterações no liquor.
RX do Tórax principalmente quando ocorre a presença de sinais e sintomas respiratórios.
RX do Crânio: é útil para identificar micro ou macrocefalia na fase mais adiantada da doença. As calcificações intracranianas difusas e abundantes podem ser detectadas particularmente nas infecções herpéticas intra-uterinas.
TCE - Tomografia Computadorizada Encefálica: pode detectar envolvimento cerebelar, atenuação dos giros cerebrais, perda tissular (atrofia) e múltiplas áreas de calcificações em ambos os hemisférios cerebrais; nos casos mais grave a TCE pode revelar Encefalomalácia multicística, Encefalite necrotizante ou degeneração multicística cerebral.
USG de Crânio: serve para o acompanhamento evolutivo da Encefalite herpética, podendo detectar precocemente o aumento dos ventrículos cerebrais e o desenvolvimento de Hidrocefalia.
Exame de EEG é necessário quando envolve lesões neurológicas.
Diagnóstico diferencial
A infecção neonatal pelo VHS não é de diagnóstico fácil. As manifestações clínicas da forma intra-uterina, disseminada ou localizadas, no SNC, olho, pele e mucosas, podem ser confundidas com uma série de patologias comumente observadas no feto e no RN.
Toxoplasmose congênita.
Rubéola congênita.
Citomegalia.
Infecção pelo vírus da Varicela-Zoster.
Infecções bacterianas e fúngicas.
Glaucoma congênito
Lesões de pele podem ser confundidas com: Impetigo bolhoso, Varicela-zoster, Sífilis, Úlceras traumáticas, Acne neonatal, Miliária, Histiocitose X e Epidermólise bolhosa.:
Tratamento
A doença neonatal pelo VHS constitui uma das infecções adquiridas perinalmente que mais se beneficiam com a terapêutica. O RN deve ser assistido em UTI neonatal, devido a sintomatologia grave na maioria dos casos e pela idade precoce do RN, caso haja indicação médica.
Específico: existe tratamento específico com drogas antivirais que deve ser instituído imediatamente logo após confirmação do diagnóstico.
Sintomático: conforme os sintomas apresentados e suas intercorrências.
Isolamento pode ser necessário, caso o bebê apresente lesões vesiculares; as lesões vesiculares herpéticas contêm altas concentrações de VHS, nos primeiros dois dias de evolução mesmo com a terapêutica medicamentosa iniciada.
Em alguns casos, o RN pode apresentar logo ao nascer as lesões de pele vesiculares e cicatriciais no corpo, principalmente no tronco e regiões palmoplantares causada pela infecção intra-uterina pelo VHS.
Acompanhamento médico durante alguns meses ou anos após alta hospitalar, principalmente naqueles bebês que apresentaram complicações graves com sequelas.
Uso profilático parenteral em situações de alto risco e após resultado de cultura deve ser feito em:
RN de mães com infecção primária ativa ou primeiro episódio de herpes genital e talvez alto risco de doença recorrente.
RN expostos não tratados com drogas antivirais sistêmicas profilaticamente, serão acompanhados com cautela, para evidência de doença pelo VHS. Quando ocorrem sinais ou sintomas de infecção herpética, deve-se imediatamente obter culturas e iniciar a terapêutica específica.
Obs: O uso indiscriminado da medicação específica poderá potencializar o aumento do número de cepas mutantes do VHS e portanto resistência à droga.
Complicações
Pneumonia herpética.
Meningoencefalite herpética (gravíssimo em RN prematuro).
Encefalite neonatal herpética(gravíssimo em RN prematuro).
Insuficiência respiratória por pneumonite (grave).
Coagulação intravascular disseminada (gravíssimo).
Agravamento das lesões vesiculares com aparecimento de ulcerações.
Hidrocefalia.
Macrocefalia e Microcefalia (prognóstico reservado).
Calcificações intracranianas.
Infecção orofaringe herpética.
Alterações oculares.
Necrose hepática extensa (prognóstico reservado).
Seqüelas
Hidrocefalia.
Microcefalia.
Retardo do desenvolvimento neuropsicomotor.
Áreas de cicatrizes permanentes no tronco, face ou extremidades.
Lesões cutâneas recidivantes que podem aparecer durante anos.
Calcificações intracranianas.
Microftalmia.
Microcefalia.
Coriorretinite.
Catarata.
Quadriplegia espástica.
Prevenção
É uma doença que pode ser prevenida no caso de uma infecção fetal, caso a mãe tenha um acompanhamento pré-natal, e realize todos os exames necessários. Caso a gestante adquira a infecção primária na gestação, está deve tomar a medicação específica imediatamente para tentar evitar transmitir via transplacentária a infecção para o feto.
É prudente que a mãe com o herpes ativo não amamente o bebê, pois já foi detectado o vírus no leite materno.
Dúvidas de termos técnicos e expressões, consulte o Glossário geral.
Maiores informações sobre Herpes Genital, consulte o Menu de Doenças Sexualmente Transmissíveis.