MALÁRIA CONGÊNITA
Definição
A Malária congênita é uma infecção aguda ou subaguda com possibilidade de cronificação, na dependência do grau de imunidade herdado da mãe. É caracterizada clinicamente por febre, anemia, icterícia e hepatoesplenomegalia, podendo ser acompanhada de manifestações graves e fatais. É causada pela multiplicação no sangue de protozoários do gênero Plasmodium. A Malária pode causar aborto, prematuridade, natimortalidade, baixo peso e anemia grave. Alguns fatores como o crescimento do turismo, a procura de trabalho em países tropicais e o aumento da freqüência das transfusões de sangue e seus derivados, certamente têm contribuído para aumentar os casos de Malária congênita na última década.
Histórico
A Malária congênita foi descrita pela primeira vez em 1876, por Bohn, em uma criança prematura na qual se encontrou evidências de malária na necropsia. Vários outros casos foram publicados no início do século XX, porém sempre suscitando dúvidas a respeito da transmissão da malária através da placenta. Desde então, inúmeros trabalhos têm evidenciado a existência da infecção congênita através da detecção do Plasmodium no sangue do cordão umbilical, sangue periférico de recém-nascido e outros órgãos.
Patologia
Placenta: esta encontra-se infectada com certa freqüência, com taxas que variam de 20% a mais de 80%. Macrospicamente, está aumentada de tamanho e com cor acinzentada. Microscopicamente, a malária placentária é caracterizada por abundante presença de parasitas em eritroblastos maternos no espaço interviloso; pontos de pigmentos são vistos nos macrófagos localizados no espaço interviloso e raramente no parênquima.; pode haver infiltrado linfocítico em áreas focais e a presença de verdadeiras massas compostas de grande quantidade de macrófagos, parasitados ou não, bem como depósitos de fibrina, no espaço interviloso, é um fato importante na patogenia do aborto, natimorto, prematuridade, anemia, e do recém-nascido de baixo peso. Os natimortos, prematuros e recém-nascidos que morrem com poucos dias de vida em áreas endêmicas podem apresentar parasita e pigmento malárico no cordão umbilical, no baço, fígado, coração e no sistema nervoso central, além de alterações histológicas compatíveis com a malária.
Período de incubação
Mesmo com o diagnóstico positivo através de exames laboratoriais, o período de incubação geralmente é grande, variando de 1 a 30 dias, com a maioria dos casos ocorrendo entre três e quatro semanas.
Transmissão
Transmissão placentária: a transmissão ocorre através da placenta por: penetração do parasita através das vilosidades coriônicas, descolamento prematuro da placenta e transfusão fisiológica de eritrócitos da circulação materna para a fetal in utero ou no momento do parto.
Sinais e sintomas
As manifestações clínicas da malária congênita diferem de acordo com a espécie de Plasmodium infectante, sendo mais grave na causada por P. falciparum.
período prodrômico:
febre irregular, sem qualquer periodicidade e usualmente não há o clássico paroxismo febril como calafrios e sudorese visto em crianças maiores e adultos;
prostração;
recusa alimentar;
sonolência;
irritabilidade;
vômitos;
diarréia;
choro excessivo.
período agudo:
extremidades podem apresentar-se congestas, cianóticas e pálidas;
anemia pode ser moderada ou grave, ocorrendo em até 80% dos casos;
baixo peso ponderal;
icterícia leve ou acentuada, aparece em 80% dos casos;
pulso pode ser rápido e fino.
diminuição da circunferência torácica e craniana;
hepatomegalia;
esplenomegalia;
raramente pode ocorrer crises convulsivas secundárias à febre ou ao acometimento cerebral da malária
casos gravíssimos:
crises convulsivas freqüentes;
febre alta;
icterícia grave;
anemia profunda;
comprometimento renal grave;
comprometimento cardíaco;
coma.
Diagnóstico
História materna.
Exame laboratoriais na mãe para uma busca sistemática de parasitas.
Exame físico.
Exame clínico.
Exames laboratoriais.
Exames de sangue específicos.
Exame do sangue do cordão umbilical: caso seja encontrado parasitas no sangue do cordão, confirma-se o diagnóstico de caráter congênito da malária.
Testes sorológicos: níveis de IgM do recém-nascido com valores acima de 23,6 UI/mL são fortes indicativos de infecção malárica intra-uterina.
Teste ELISA.
Análise do LCR (líquido cefalorraquidiano).
Critérios para diagnosticar Malária congênita:
É preciso pensar em Malária congênita diante de um recém-nascido febril desde o nascimento, ou nos próximos dias que se seguem, principalmente se estiver presente hepatoesplenomegalia, icterícia e anemia hemolítica. O interrogatório da mãe e a busca sistemática de parasitas na mãe e no bebê permitem um diagnóstico rápido evitando uma evolução desfavorável sem tratamento. É necessário lembrar que a mãe pode ser completamente assintomática no decurso da gravidez, especialmente se for parcialmente imune. Atualmente é necessário pelo menos dois dos critérios a seguir, para que se possa diagnosticar Malária congênita, com certa segurança:
eliminar toda a possibilidade de infecção adquirida;
encontrar o Plasmodium, desde o nascimento, no sangue do cordão umbilical, afirmando o caráter congênito;
encontrar o Plasmodium no período correspondente ao tempo de incubação da malária adquirida (sete a 14 dias, de acordo com a espécie) mesmo no sangue circulante;
reconhecer a mesma espécie de Plasmodium na mãe e no recém-nascido;
constatar, eventualmente sinais de ataque palúdico na criança, que regride sem tratamento específico.
Diagnóstico diferencial
O diagnóstico diferencial deve ser feito para que a Malária congênita não seja confundida com outras patologias com quadro clínico semelhante. Através dos exames clínico, físico, laboratoriais e estudos radiológicos o médico pode excluir essas doenças, até chegar ao diagnóstico correto. As doenças que podem ser confundidas com a Malária congênita são as seguintes:
Toxoplasmose congênita.
Sífilis congênita.
Rubéola congênita.
Infecção congênita por citomegalovírus.
Infecção por herpes vírus tipo II.
Anemia hemolítica auto-imune.
Galactosemia.
Hipotireoidismo congênito.
Linfo-histiocitose hemofagocítica.
Tuberculose congênita.
Septicemia.
Tratamento
Específico: existe tratamento medicamentoso específico para essa patologia. A terapêutica medicamentosa da Malária congênita é semelhante à utilizada para os adultos.
A medicação oral é a mais utilizada em bebês.
A via parenteral poderá ser utilizada em crianças nas seguintes situações: presença de coma, vômitos intensos, altos índices parasitêmicos e também todos os casos onde concentrações sanguíneas devam ser alcançadas rapidamente, especialmente na malária cerebral. Essa via de administração exige muita cautela e técnica, aconselhando-se na medida do possível, monitorização dos níveis sanguíneos das drogas, pois se acredita atualmente que os efeitos colaterais da medicação, tais como colapso vascular e morte, estão muito mais relacionados à rápida passagem da droga para a circulação venosa do que à dosagem empregada.
A quinina pode ser utilizada por via venosa, mas complicações severas como arritmias têm limitado sua indicação. Essa via pode ser reservada para crianças gravemente doentes. A via intramuscular não é recomendável pela possibilidade de formação de abscesso e necrose, mesmo quando as injeções são estéreis.
Bebês com alta densidade parasitária, especialmente com índices parasitêmicos acima de 10% e complicações renais e cerebrais, a exsanguíneo-transfusão deve ser cogitada.
Hidratação: esta deve ser lenta, principalmente na malária por P. falciparum, para prevenção do edema agudo de pulmão.
Antipiréticos e analgésicos, conforme prescrição médica, pode se necessário.
Transfusões de sangue, conforme prescrição médica.
Dietoterapia específica.
Obs: A infecção por Plasmodium falciparum quase sempre é uma emergência médica e tem melhor prognóstico quando o diagnóstico e o tratamento são feitos precocemente, o que geralmente não ocorre, principalmente em zonas temperadas. Evolui na maioria das vezes, com mal estado geral do bebê, anemia profunda e êxito letal freqüente, principalmente nos casos de cepas muito resistentes, que ocasionam grande densidade parasitária.
Complicações
Malária cerebral.
Insuficiência cardíaca.
Rotura do baço devido ao hiperesplenismo.
Síndrome nefrótica.
Anemia hemolítica.
Coagulação intravascular disseminada.
Icterícia.
Desidratação.
Colapso circulatório.
Seqüelas
As seqüelas ocorrem quando a criança não dispõe de tratamento, ou devido a um diagnóstico tardio da doença.
Déficit intelectual.
Dificuldade de aprendizado.
Distúrbios renais.
Prevenção
Em áreas altamente endêmicas, adultos semi-imunes desenvolvem resistência adquirida a cepas locais de Plasmodium, a prevalência de Malária clínica é alta e a doença é mais grave na mulher grávida, principalmente no segundo trimestre e nas primíparas.
Medidas preventivas incluindo precauções para evitar a picada de mosquitos e a quimioprofilaxia são importantes para diminuir o risco de adquirir Malária e suas conseqüências materno-fetais.
Outras medidas preventivas como uso de repelentes, telas protetoras e cortinados são também importantes durante a gravidez. O potencial tóxico de repelentes para a gestante deve ser considerado.
A quimioprofilaxia da Malária na gravidez, especialmente no último trimestre, é imperativa para mulheres não imunes que vão trabalhar ou visitar áreas endêmicas. também é aconselhável para mulheres com residência permanente nestas áreas.
Com exceção de algumas drogas que são contra-indicadas na gravidez, é possível recomendar com segurança algumas delas, que dão proteção satisfatória. Por outro lado, a escolha da terapêutica torna-se difícil em conseqüência do crescente aumento, em várias regiões do mundo, da resistência aos antimaláricos disponíveis.
Dúvidas de termos técnicos, consulte o Glossário geral.
Maiores informações sobre a Malária, consulte o Menu de Doenças Infecciosas.