SÍNDROME DE BEHÇET


 

Definição

A Síndrome de Behçet é uma desordem multissistêmica inflamatória crônica de causa desconhecida. É caracterizada por uma disfunção vascular imunológica que afeta principalmente pele, mucosas, SNC, olho e articulações. A doença é conhecida por incidência diferente entre grupos raciais, diversos comprometimentos sistêmicos e variados prognósticos. A Síndrome de Behçet é uma condição polimorfa, que apresenta uma grande variedade de manifestações clínicas. Pode comprometer boca, pele, olhos, articulações, sistema nervoso central, sistemas vascular e gastrointestinal, genitais e outros órgãos.   

Possíveis fatores etiológicos ambientais estão envolvidos com o aumento do risco relativo de desenvolver esta doença em populações específicas, com alta freqüência de HLA-B51. A doença tem pior prognóstico em pacientes do sexo masculino, essa prevalência ainda é desconhecida. Os portadores da Síndrome  de Behçet têm quase sempre uma vida normal, pois a doença apesar de ser crônica tem períodos de exacerbação dos sintomas, intercalados por períodos mais tranquilos, ou como em alguns casos sem nenhuma sintomatologia.

 

Sinonímia

A Síndrome de Behçet é também conhecida pelos seguintes nomes:

·         Afta de Behçet.

·         Aftas orogenitais com uveíte e hipópion.

·         Complexo tríplice-sintomático de Behçet.

·         Doença da rota da seda

·         Doença de Behçet.

·         Iridociclite recidivante purulenta.

·         Iridociclite séptica.

·         Síndrome de Adamentiades-Behçet.

·         Síndrome de Gilbert-Behçet.

·         Síndrome oculobucogenital.

 

Histórico

Uma das primeiras descrições de uma doença que apresentava semelhanças com a Síndrome de Behçet, foi feita por Hipócrates, na Grécia Antiga por volta de 450 a.C. Assim descreveu o mesmo: "...muitos pacientes tinham suas bocas afetadas com ulcerações aftosas. Havia também, muitos defluxos nas partes genitais, e ulcerações com queimações interna e externamente, na região das virilhas. Oftalmias lacrimosas de caráter crônico, com dores, excreções fúngicas das pálpebras, externa e internamente, com destruição da visão de muitas pessoas..."  Segundo relato de Verity, em 1931, o médico Benedictos Adamantiades apresentou um caso junto à Associação Médica de Atenas, onde descreveu "uma jovem paciente com aftas bucais, úlceras genitais e irite recorrente".  Em 1936, o médico Hulusi Behçet, publicou seus achados clínicos, como um complexo de sintomas triplos de úlceras orogenitais, irite e lesões de pele. A Síndrome de Behçet foi então formalmente reconhecida em 1947, no Congresso Internacional de Dermatologia, sendo denominada por alguns autores como Doença de Adamentiades-Behçet, em homenagem a estes dois profissionais.

 

Incidência

·         Afeta principalmente adultos jovens entre 20 e 30 anos.

·         A incidência é baixa em países ocidentais.

·         A Turquia é o país que tem a maior incidência da doença 80 a 379 casos por 100.000 habitantes.

·         Em negros africanos é baixa a prevalência da Síndrome de Behçet.

 

Causas

A lesão anatômica elementar é uma vasculite, entretanto a etiologia precisa da doença permanece obscura. Sabe-se que a afecção  é polimorfa, sistêmica e a maior parte dos órgãos pode ser comprometida. A afecção, provavelmente causada por um vírus, é mais comum em adultos jovens do sexo masculino. A etiologia viral não  é universalmente aceita, postulando alguns autores uma etiopatogenia imunológica. As perturbações imunológicas seriam da esfera da imunidade celular com variações quantitativas e qualitativas dos linfócitos circulantes, principalmente à custa de depressão dos T helpers (OKT4).

 

Fatores desencadeantes

·         Alguns tipos de alimentos como o chocolate, frutas cítricas, podem desencadear as aftas.

·         Alguns tipos de bactérias podem estimular o sistema imunológico local e desencadear os sintomas.

·         Os dias que precedem a menstruação podem ser também considerado como fator hormonal desencadeante.

·         Fatores emocionais.

·         Fatores ambientais.

 

Formas clínicas

Quatro tipos clínicos da doença tem sido descritos, dependendo dos sítios maiores de comprometimento. O comprometimento bucal é comum nos quatro tipos de formas clínicas.

·         Forma ocular, comum no Japão e países do Leste europeu.

·         Forma mucocutânea, frequentemente observada nos Estados Unidos e Europa.

·         Forma artrítica.

·         Forma neurológica.

 

Sinais e sintomas

A Síndrome de Behçet é uma vasculite sistêmica de pequenos vasos, necrosante e não-granulomatosa, caracterizada pela tríade uveíte, úlceras genitais e aftas bucais. Considera-se a doença como completa, quando existe envolvimento cutâneo, ocular, genital e bucal, ou quando ocorre acometimento ocular e um dos outros sinais principais.

Sinais secundários consistem em alterações artríticas, lesões gastrointestinais, epidimite, lesões vasculares sistêmicas e envolvimento do sistema nervoso central. As manifestações clínicas costumam ter início com quadro febril, acompanhado de úlceras orogenitais e/ou alterações oculares.

 

·         Manifestação bucal:  o comprometimento bucal é comum na doença. As lesões bucais recorrentes acontecem no mesmo ponto durante a doença, geralmente no palato mole e na orofaringe. Precedem outros sítios extrabucais de comprometimento. Ocorrem na forma de úlceras dolorosas, com  borda eritematosa e superfície coberta com pseudomembrana amarelada. As lesões desaparecem por volta de 10 dias sem deixar cicatrizes.

·         Manifestação genital:  as ulcerações genitais são semelhantes no aspecto, as lesões bucais, apresentando-se na vulva, na vagina, no pênis, no escroto e na área perianal. São dolorosas, geralmente maiores e mais profundas, recorrentes e usualmente deixam cicatrizes.

·         Manifestação ocular:  as mais comuns são a Uveíte, iridociclite, glaucoma e hipópion (inflamação asséptica da câmara anterior do olho), e doença retinal, podendo resultar em lacrimejamento, hemorragias, descolamento da retina, atrofia do nervo óptico, dor intensa e cegueira. As manifestações oculares costumam ser bilaterais e podem determinar amaurose.

·         Manifestação articular:  a artrite é uma manifestação comum, sendo geralmente autolimitada e não-deformante. Joelhos, punhos, cotovelos e tornozelos são os membros mais freqüentemente afetados.

·         Manifestação gastrintestinal:  causa dor abdominal, diarréia, melena e algumas vezes perfuração. A região ileocecal é o local mais comumente afetado.

·         Manifestação neurológica:  o comprometimento do sistema nervoso central pode ou não ser parenquimal. A freqüência deste comprometimento é de 15% a 25% na maioria dos casos e costuma ser gave, podendo determinar encefalites, meningencefalites e meningencefalomielites. Pode ocorrer comprometimento silencioso, manifestando-se apenas sob a forma de dores de cabeça. Os sinais e sintomas neurológicos mais comuns compreendem: rigidez da nuca, sinal de Kernig, paralisia de nervos cranianos por comprometimento do tronco encefálico (diploplia, disartria e disfagia), tetraplegia e sinais cerebelares. Pode ocorrer também alta proporção de pacientes com hipertensão intracraniana benigna. A paralisia e a demência acentuada ocorre em casos avançados da doença. 

·         Manifestação vascular: a vasculite pode criar uma variedade de manifestações clínicas como manifestações cardíacas coronárias e prolapso da válvula mitral, descritas em 50% dos pacientes com esta síndrome. Em outros casos podem ocorrer aneurismas pulmonares com hemoptise, tromboflebites e trombose em veias profundas.

 

Obs: O quadro clínico comumente evolui por surtos, e o comprometimento do sistema nervoso pode ser fatal ou determinar sérias sequelas.

 

Síndrome de Behçet e a Uveíte

A Uveíte é uma afecção freqüentemente severa, sendo uma das principais causas de cegueira  no mundo. Está relacionada com várias doenças  sistêmicas, principalmente as de caráter  auto-imune, como as doenças reumáticas. Pode ser a apresentação inicial de uma doença sistêmica ou de um problema  tardio, de um paciente já com diagnóstico de doença reumática. Achados oculares podem ser similares em uma  variedade de enfermidades; por isso, uma  avaliação clínica bem-feita é fundamental  para relacioná-los com a devida doença  sistêmica.  O envolvimento ocular tende a ser o problema mas sério para o paciente. Ocorre na forma de iridociclite, vasculite retiniana e vitreíte. A freqüência das manifestações oculares pode chegar a 80%. O quadro é caracterizado por uma iridociclite grave, recidivante e com aspecto sinequiante. Geralmente é de mau prognóstico. A Uveíte em geral é bilateral, mas usualmente um olho é afetado antes do outro.

 

A Uveíte pode se manifestar como iridociclite não-granulomatosa aguda ou crônica, com ou sem hipópio. O corpo vítreo se apresenta com vitreíte moderada a grave, dependendo do tempo de evolução da doença. Alguns pacientes permanecem com crises de Uveíte deste tipo, mas a maioria evolui ou já inicia com Uveíte difusa não granulomatosa, com ou sem hipópio, e que tende a se cronificar. Os sintomas podem variar de dor severa com fotofobia importante, hipópio e vermelhidão (quando a Uveíte é aguda) até sintomas quase ausentes. A síndrome, mesmo completa, não costuma apresentar seus diferentes sinais simultaneamente. O quadro final se caracteriza por catarata complicada, atrofia difusa da retina, obstrução vascular difusa, hemorragia vítrea e atrofia do nervo óptico.

 

Diagnóstico

·         Anamnese.

·         Exame físico.

·         Exame clínico.

·         Exame dermatológico.

·         Exame oftalmológico: quando ocorrem manifestações oculares.

·         Exame neurológico: quando ocorrem manifestações neurológicas.

·         Exame do LCR.

·         Exames laboratoriais.

·         Teste de "patergia" consiste no aparecimento de nódulos ou pústulas eritematosas assépticas, maiores que 2mm de diâmetro, após 24 a 48 horas da injeção de uma substância inerte, como a solução salina estéril.

 

Os critérios de diagnóstico do Grupo Internacional de Estudos para a Síndrome de Behçet, estabelecidos em 1990, requerem a presença de ulcerações bucais recorrentes, ocorrendo  ao menos três vezes em um ano, acompanhadas de, no mínimo, dois destes sinais:  ulcerações genitais recorrentes, lesões oculares com Uveíte ou vasculite retinal, lesões de pele papulopustulares ou com nódulos eritematosos e um teste de "patergia" positivo, os quais devem ser observados por um médico.

 

Tratamento

Não existe tratamento específico para essa patologia. O tratamento é sintomático conforme os sintomas apresentados e suas intercorrências.

 

O tratamento para a Síndrome de Behçet depende das manifestações clínicas do paciente. O tratamento é prioritário no comprometimento do sistema gastrointestinal, do sistema nervoso central, e quando ocorre  lesões nos grandes vasos, que necessitam de altas doses de corticosteróides, imunossupressores ou ambos.

 

As manifestações cutâneas, oculares e articulares melhoram com a terapia de Interferon-alfa sistêmico, durante um curto prazo, no período de aproximadamente dois a quatro meses. No entanto, os sintomas podem recorrer, quando cessa a terapia.

 

Os imunossupressores (ciclofosfamida) podem ser úteis nos casos graves, notadamente com uveíte.

 

As lesões bucais podem ser tratadas com soluções em bochechos com tetraciclina ou corticosteróides tópicos, sob indicação médica.

 

As vasculites são tratadas com a combinação de  corticosteróides e agentes citotóxicos. Anticoagulantes e agentes antiplaquetários são usados para casos de trombose venosa profunda, junto com administração de  corticosteróides.

 

Repouso é recomendado quando o paciente está em crise.

 

Se não for tratada as manifestações oculares, dependendo do quadro clínico podem levar à cegueira.

 

Apoio psicológico: Os pacientes com problemas dermatológicos podem ver e sentir seus problemas, e estes os afetam mais do que a muitos portadores de outras patologias, por isso o apoio psicológico por parte da equipe de enfermagem é fundamental para esses pacientes.

 

Obs: Novas drogas estão constantemente sendo avaliadas para o tratamento medicamentoso para a Síndrome de Behçet. No entanto, ainda não há nenhum regime terapêutico padronizado, e o tratamento permanece sintomático, com muitas divergências entre autores e especialistas.

 

Prognóstico: Na ausência  do comprometimento do sistema nervoso central ou de complicações vasculares, o prognóstico é geralmente bom. Pacientes das populações de risco têm um prognóstico mais desfavorável, como também pacientes do sexo masculino que apresentam comprometimento do sistema nervoso central concomitante com as manifestações oculares.

 

Do ponto de vista funcional, o grande risco é a cegueira e também as sequelas neurológicas. Do ponto de vista vital, certas manifestações são de grande risco: manifestações trombóticas (flebite dos membros, embolia pulmonar, tromboflebite cerebral), meningencefalite, hemoptises catastróficas e perfuração de alça intestinal.


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