AMEBÍASE INTESTINAL
introdução
O termo Amebíase designa o parasitismo humano pela Entamoeba histolytica, quer existam ou não manifestações clínicas. As outras amebas podem ser encontradas no intestino, mas são destituídas de atividade patogênica. A Entamoeba histolytica, mais conhecida como ameba, se instala principalmente no intestino grosso humano.
A Amebíase não se restringe apenas a países tropicais, mas é freqüente também nos climas frios. É a falta de condições higiênicas adequadas que condiciona sua disseminação. No Brasil, estima-se que a prevalência média de infecção pela Entamoeba, é de aproximadamente 23% da população.
A Entamoeba histolytica pode permanecer no organismo sem causar nenhum sintoma. A infecção assintomática é mais encontrada em países como Estados Unidos, Canadá e na Europa. As formas graves de disenteria amebiana têm sido registradas com mais freqüência na América do sul, Índia, Egito e México.
Histórico
Nos tempos remotos as diarréias eram objeto de descrições, sem que se tivesse, entretanto, conhecimento exato de suas doenças. Entre os chineses há menção de uma doença resultante da eliminação de fezes com material branco e sangue pelo reto dos pacientes. Hipócrates, na Grécia, estabelecia que as diarréias eram epidêmicas no verão, e ocorriam particularmente nas cidades quentes e úmidas. Evidências de diarréias e sua possível relação com a amebíase são encontradas também entre os hebreus, desde os tempos bíblicos, quando eram reconhecidas como doenças disentéricas contagiosas, do mesmo modo que na Índia e no Peru.
A história da amebíase documentada teve início há um século, com a descoberta de Losch, médico clínico de São Petesburgo (hoje Leningrado), na Rússia, em 1875, da ameba patogênica, reconhecida como Entamoeba histolytica, mas denominada por ele na época, Amoeba coli. Losh ao examinar as fezes de um paciente com disenteria, encontrou formas vegetativas de amebas muito ativas, que continham hemácias fagocitadas. A autópsia revelou intenso processo ulcerativo do intestino grosso, tendo-se encontrado numerosas amebas patogênicas no material obtido das úlceras. Logo depois, Losch inoculou algumas dessas formas vegetativas de amebas, pela boca e pelo reto, em quatro cães. Um dos animais desenvolveu um quadro de disenteria aguda, tendo a autópsia revelado a presença das mesmas amebas nas fezes e no pus das ulcerações mucosas.
Incidência
Ocorre como infecção endêmica no homem em diversas áreas do mundo.
Geralmente é limitadas às regiões mais quentes.
Apresenta incidência elevada em zonas peri-urbanas, não urbanizadas e em comunidades de baixo nível sócio-econômico.
Epidemiologia
A Entamoeba histolytica tem distribuição universal. Sua disseminação depende muito mais de fatores higiênicos do que geográficos. A amebíase é mais prevalente nas áreas em que as condições higiênicas são precárias. Enquanto nas zonas temperadas a maioria dos casos de infecção amebiana é assintomática, nas regiões subtropicais, com grande variações de um país para outro, o número de casos clinicamente evidentes aumenta muito. Como um país de dimensões continentais, a situação do Brasil é intermediária entre esses dois extremos, havendo grandes variações de região para região.
Agente etiológico
Protozoário parasita Entamoeba histolytica.
Fonte de infecção
O homem infectado.
Habitat
A localização fundamental da E. histolytica é o intestino grosso. Além da amebíase intestinal, localização primitiva do protozoário, pode haver localizações secundárias, fora dos intestinos, das quais as mais freqüentes são a hepática, pleural e pulmonar, pericárdica, cerebral, esplênica e cutânea. Estas localizações secundárias são denominadas de amebíases extra-intestinais.
Ciclo vital
A E. histolytica apresenta duas fases no seu ciclo evolutivo:
1ª. fase: vive no intestino grosso ou nas últimas porções do íleo, movimentando-se, por divisão binária - é a fase trofozoítica ou vegetativa;
2ª. fase: se imobiliza, deixa de fagocitar, rodeia-se de uma membrana resistente (membrana cística), e vive às custas de substâncias de reservas acumuladas durante a fase anterior, sobretudo substâncias de reserva acumuladas durante a fase anterior, sobretudo substâncias proteícas e hidrocarbonadas - é a fase cística.
Quando maduros, os cistos da E. histolytica têm quatro núcleos, pelo que são também conhecidos pelo nome de cistos tetranucleados. São eles que permitem a transmissão da E. histoytica de um homem a outro, pois eliminados para o meio exterior, apresentam certa resistência que faculta a sua transmissão. As formas vegetativas ou trofozoíticas não têm importância na transmissão natural da E. histolytica, porque são eliminadas para o meio exterior, degeneram em pouco tempo, não tendo capacidade nesse ambiente de se encistarem. O encistamento é um fenômeno que se realiza na luz intestinal.
Patogenia intestinal
O estudo da patogenia tem por objetivo mostrar e identificar as lesões que os protozoários podem provocar no organismo.
A flora bacteriana intestinal representa um fator muito importante na patogenia da amebíase e na sintomatologia por ela representada. As lesões produzidas pela forma magna da E. histolytica, localizam-se na mucosa e submucosa do intestino grosso. Sua distribuição relaciona-se com a estase do conteúdo cólico e ocorre na seguinte ordem decrescente: ceco, cólon ascendente, reto, sigmóide e apêndice. As lesões iniciais da mucosa consistem em pequenas áreas edematosas, hiperêmicas, do tamanho de uma cabeça de alfinete ou de pequenas pápulas amareladas. No exame retossigmoidoscópico é freqüente o achado dessas pequenas elevações papulosas, representativas das lesões incipientes, que podem coexistir com lesões mais antigas.
Mais tarde as amebas dão origem a úlceras que se encontram na submucosa e se comunicam com a luz intestinal por um orifício mais estreitado. O aspecto das lesões é muito típico: são úlceras profundas, contendo trofozoítos no meio de tecido necrótico, com bordas nítidas, e subminadas, assumindo o clássico formato de "botão de camisa" ou crateriforme, separadas umas das outras por mucosa normal.
As úlceras amebianas são menores , mas mais profundas do que as ulcerações difusas causadas por shielas, e em sua progressão podem atingir a camada muscular e, por vezes, a peritoneal, dando lugar à perfuração intestinal. As paredes vasculares podem em casos graves ser atacadas pelo processo ulcerativo destrutivo, mortificar-se e dar origem a hemorragias.
Abscesso amebiano hepático
Quando a parede cística se desintegra no intestino delgado, produz a liberação de trofozoítos móveis que migram até o intestino grosso, onde produzem a doença invasiva. A entrada na mucosa provoca úlceras e a ameba ganha acesso ao sistema venoso portal. O abscesso geralmente é solitário e afeta o lobo direito em 80% dos casos. A cavidade contém pus estéril e tecido hepático necrótico. ocasionalmente podem ser identificadas amebas na periferia do abscesso. Os pacientes podem experimentar sintomas semanas antes da apresentação do quadro clínico. A dor é a característica proeminente e o paciente se apresenta febril e cronicamente doente.
Os abscessos múltiplos aumentam a atividade da fosfatase alcalina e os níveis de bilirrubina. Na radiografia do tórax mostra o hemidiafragma direito elevado, com atelectasias ou derrame pleural. A ecografia evidencia o tamanho e a posição do abscesso e também é de utilidade para guiar a aspiração ou avaliar a resposta ao tratamento. Pode haver complicações graves devido a infecções secundárias ou à ruptura do abscesso para os espaços pleurais, pericárdico ou peritonela. A aspiração está indicada quando a sorologia oferece resultados negativos, o abscesso é maior que 10cm, não existe resposta ao tratamento medicamentoso ou frente ao risco de ruptura.
A drenagem cirúrgica é necessária somente se o abscesso se rompe e causa peritonite, ou se não existe resposta ao tratamento medicamentoso, mesmo com aspiração ou drenagem.
Período de incubação
O período de incubação é muito inconstante, pois depende da oportunidade da transformação da forma comensal, minuta, da E. histolytica em forma magna patogênica. Pode variar de uma a duas semanas a alguns meses ou até anos.
Transmissão
A transmissão pode ser direta, de homem a homem, por intermédio de mãos sujas, ou ocorrer indiretamente, por um dos seguintes meios:
contaminação de alimentos pelas mãos poluídas com fezes dos manipuladores de alimentos (cozinheiros, garçons, donas-de-casa);
pela contaminação dos alimentos consumidos crus com fezes humanas, quando usadas como adubo;
pelo transporte mecânico feito por insetos não-hematófagos, como moscas e baratas.
Do ponto de vista epidemiológico, a amebíase intestinal é doença essencialmente endêmica. Já foi constatados surtos epidêmicos em que a disseminação da doença foi motivada por intercomunicações cruzadas entre a rede de esgotos e abastecimento de água. Os cistos da ameba no ambiente exterior podem resistir nas seguintes condições:
em água fresca, com um mínimo de contaminação bacteriana, resistem até um mês;
nas fezes, num ambiente fresco em que a putrefação se retarda, 12 dias;
no presunto e salsicha, 15 horas;
no queijo, 20 horas;
em pães e bolos, 24 horas;
em saladas e morangos, 40 horas;
no intestino de moscas e baratas, 24 a 48 horas.
Formas clínicas
Atualmente distinguem-se na amebíase intestinal, duas formas clínicas de apresentação da amebíase intestinal.
Forma não-invasiva: Nessa forma de apresentação da infecção, não existem manifestações clínicas, pois nelas a ameba vive como comensal, minuta, na luz dos colons, sem invadir suas paredes, sendo descoberta em exames de fezes rotineiros ou em inquéritos coprológicos. A amebíase não-invasiva é denominada de amebíase-infecção.
Forma invasiva: A ameba na sua forma magna, penetra a parede do intestino grosso, onde determina lesões, graças à produção de enzimas proteolíticas. É denominada de amebíase-doença.
Os fatores que condicionam a transformação da forma comensal, minuta, não-hematófaga e não-patogênica, da E. histolytica em forma magna, invasiva, hematófaga e patogênica são: condições de clima, associações parasitárias, queda do estado geral do hospedeiro e modificações no meio intestinal, sobretudo no tocante à flora intestinal. Há forte tendência para considerar os simbióticos bacterianos do meio intestinal como um dos principais fatores da patogenicidade da E. histolytica, o que explicaria fatos como:
diminuição progressiva da prevalência da amebíase-doença, pelo emprego cada vez mais extenso, de quimioterápicos e/ ou antibióticos que atuam sobre a flora entérica;
grande variabilidade das manifestações clínicas;
persistência da sintomatologia após a erradicação da ameba;
alívio dos sintomas intestinais pela terapêutica antibacteriana.
Pode-se também subdividir a amebíase-doença (amebíase invasiva) em complicada e não complicada. A forma não-complicada é capaz de assumir uma forma disentérica ou mais comumente, aspectos de colite amebiana não-disentérica. As formas complicadas da amebíase-doença compreendem:
tifilite amebiana com apendicite;
perfuração intestinal com peritonite conseqüente;
hemorragia intestinal;
estenose cicatricial do intestino grosso;
ameboma.
Sinais e sintomas
O quadro clínico na amebíase varia desde a infecção assintomática do portador sadio até os casos abruptos e graves de abdome agudo. A diarréia é o mais característico dos sintomas. O quadro clínico pode ser classificado basicamente em:
Infecções assintomáticas: As infecções assintomáticas são descobertas ocasionais de inquéritos coprológicos ou de exames de fezes rotineiros, sendo muito mais freqüentes nos climas temperados do que nos climas quentes.
Colite amebiana disentérica: É a forma menos comum de amebíase clinicamente manifesta. Apresenta-se pela clássica síndrome disentérica, caracterizada por evacuações constantes contendo muco e sangue, tenesmo e dores abdominais tipo cólica. As dejeções no início são fecais, depois mucosas e, finalmente sanguinolentas. Sua freqüência diária não costuma exceder uma dezena. Situa-se, em geral, entre seis e 10 vezes ao dia. O tenesmo é representado pela sensação dolorosa de tensão e constrição do ânus, com vontade imperiosa de defecar que finaliza, muitas vezes, com uma evacuação insignificante. As dores abdominais podem ser contínuas, com paroxismos agudos, ou intermitentes, precedendo imediatamente com o ato da evacuação.
Colite amebiana não-disentérica: Caracteriza-se por surtos reiterados de diarréia, alternados por períodos de latência, com evacuação intestinal normal ou prisão de ventre. A evolução da doença costuma ser arrastada, com períodos de piora da sintomatologia geral, e de melhora ou latência dos sintomas. Os pacientes geralmente se queixam de dor e sensibilidade no quadrante inferior direito do abdome.
A diarréia pode ser de forma branda com dores abdominais leves até formas mais violentas, com sangue ou muco nas fezes e sintomas como febre e calafrios. Nas formas mais graves, os cistos do parasita se disseminam pela corrente sanguínea, podendo contaminar o fígado, pulmões ou cérebro, onde se formam abscessos ou granulosas podendo levar o paciente a óbito se não diagnosticados e tratados a tempo.
Diagnóstico
Anamnese.
Exame clínico.
Exame físico.
Exames laboratoriais.
Exame parasitológico de fezes.
Demonstração direta da E. histolytica: esta pesquisa pode ser feita em fezes, exsudato e fragmentos de tecidos.
Exame de Retossigmoidoscópia: serve para visualização das ulcerações amebianas e também para colheita de material para diagnóstico.
Exame de Colonoscopia.
Raio X: pode revelar a localização de ulcerações amebianas no intestino.
Ecografia.
Exame microscópico do exsudato intestinal.
Exame histopatológico de material de biópsia.
Diagnóstico diferencial
O diagnóstico diferencial deve se feito para que a Amebíase não seja confundida com outras patologias com quadro clínico semelhante. Através dos exames clínico, físico, laboratoriais e estudos radiológicos o médico pode excluir essas doenças, até chegar ao diagnóstico correto. Tendo em vista o polimorfismo clínico da amebíase intestinal, seu diagnóstico diferencial terá que ser feito com um grande número de afecções gastrintestinais. As diferenciações mais freqüentes serão feitas com:
Shigeloses.
Esquistossomíase.
Balantidíase.
Tricocefalíase.
Estrongiloidíase.
Ancislostomíase
Retocolite ulcerativa inespecífica.
Tuberculose intestinal.
Enterocolopatias crônicas funcionais.
Apendicite crônica.
Tumores do intestino grosso e granulomas inflamatórios.
Leishmaniose Visceral Calazar (nos casos iniciais da doença).
Neoplasia intestinal.
Tratamento
Objetivo: Erradicação do parasita e melhorar o estado geral do paciente.
Existe tratamento medicamentoso específico para a doença.
O tratamento clínico da amebíase intestinal não-complicada não oferece dificuldades, tendo em vista uma numerosa quantidade de medicamentos disponíveis, e da sua boa tolerância na generalidade dos casos. O tratamento básico se faz com antimicrobianos específicos. A conduta terapêutica das complicações da doença, dependerá das particularidades clínicas de cada caso.
Complicações
Obstrução intestinal.
Ruptura do cólon.
Peritonite (caso gravíssimo com risco de vida).
Ameboma (granuloma amebiano encontrado no ceco, reto, cólon transverso e sigmóide).
Desidratação grave.
Anemia grave.
Disenteria de intensidade grave.
Hemorragia intestinal.
Necrose amebiana hepática: como complicação da necrose amebiana do fígado pode ocorrer peri-hepatite fibrinosa e aderência do fígado como o ângulo direito do cólon e com o diafragma. Não sendo interrompido o processo de proteólise, pode-se estabelecer comunicação da cavidade hepática com o espaço pleural e, em casos mais raros , com a vesícula biliar, com o cólon ou com o pericárdio.
Obs: A principal causa de óbito causada pela Amebíase intestinal é a Peritonite.
Prevenção
A prevenção da doença se faz principalmente por medidas de saneamento básico, que impedem a contaminação da água e alimentos e o tratamento de todas as pessoas contaminadas.
medidas sanitárias:
Inquéritos epidemiológicos para descoberta das fontes de infecção.
Saneamento básico eficiente.
Remoção adequada dos dejetos humanos.
Proibição do uso de fezes humanas como adubo.
Educação sanitária da população.
Campanhas de prevenção contra a doença.
Tratamento dos indivíduos parasitados, doentes ou portadores sãos, principalmente se forem manipuladores de alimentos.
Fornecimento de água potável para a população.
medidas gerais:
Ingestão de água potável.
Lavar cuidadosamente os alimentos vegetais antes de serem utilizados.
Não evacuar perto de rios e poços.
Lavar as mão antes das refeições.
Lavar as mãos após uso do sanitário.
Proteger os alimentos das moscas e baratas.
Viajantes que vão para áreas endêmicas, devem se informar sobre a transmissão da doença, para que possam evitar a contaminação.
Dúvidas de termos técnicos e expressões, consulte o Glossário geral.